Parecia ter uns quarenta e poucos anos , cabelos louros e lisos , olhos amendoados e sorridentes . Vestia-se bem . Uma blusa de linho , uma saia justa cor de vinho .O sapato era alto o suficiente para encher uma sala de ploc-ploc , ploc
Chega do trabalho , cumprimenta o porteiro arrogante e invejoso que nunca a responde.Ele é um daqueles tipos inúteis apadrinhados que só sabem grunhir e não fazem o que é para ser feito .Isso inclui abrir o portão , atender o interfone , essas coisas que um porteiro normal deve fazer .
Elevadores desligados , manutenção sempre na hora em que se chega do trabalho .A exaustão só dá trégua depois da meia-noite.Ela respira , toma coragem e sobe o primeiro degrau ...
Ploc –Ploc – Ploc –Ploc .Ela andava em seus saltos sete e meio pelos corredores sombrios e pelas escadas . As luzes deveriam acender mas não é isso o que acontece.”Mas que incompetência desses porteiros !“. Afinal já era dez da noite e os corredores assim tão escuros ..."
Uma última curva .Eis o breu . O portão fica há poucos metros a frente . Mas é tão difícil ter a noção de espaço quando tudo é negridão .As mãos tão cuidadas tateiam as paredes . O ritmo das pisadelas agora é inseguro .Ploc ... Ploc ... Enxergar o invisível portão de ferro .
Eis que um dos saltos esbarra em um tapete de porta .Ela escorrega,vira o pé, o salto se parte.A mulher cai vertiginosamente com o rosto no portão de ferro .
Dor ... Espanto ...Ela ainda tateia buscando a campainha .Vai lá que tem alguém em casa ?!Grita !Mas é tão fácil se fazer surdo nesses dias tão tenebrosos e perigosos ...
E ora vejam só .As luzes se acendem .Ela olha a camisa branca de linho maculada.Olha as mãos ... tudo é sangue . Até o portão .Ela não consegue mais gritar . O rosto todo dói e finalmente a porta se abre ...
Onze horas da noite .As Clínicas de Ortopédia cansam a paciência das esperas chateadas, dolorosas e sangrentas . Depois de discutir com o porteiro insolente e de mente limitada , ela estava ali , naquele banco da sala de espera . Blusa manchada , o rosto inchado e sangrento , uns panos com gelo , os cabelos loiros desarrumados . Nada parecia simpático .O ar – condicionado , a recepcionista enfadonha, a tevê sem antena no último telejornal e as revistas antigas ... Ela olha um pequeno alvoroço .Os outros pacientes a olham com espanto , pena e revolta . A mulher entra no consultório...
- É ... fraturou . Como a senhora disse que caiu mesmo ?Uma fratura no nariz assim é difícil de conseguir ...
Ela já com os pontos , tenta explicar novamente para o médico sem contudo conseguir se fazer entender . E ela vai embora para casa pesadamente .
O médico penosamente triste lamenta com o radiologista :
-É uma pena ... Uma mulher assim tão bonita , com o futuro pela frente aceitar viver numa situação dessas .
O radiologista suspira , tira os óculos sem desviar o olhar da ficha médica :
- É a Síndrome da Mulher Espancada ... fazer o quê ?
O médico se vira :
- Ivone ... O próximo paciente , por favor .
By Thaís Cunha
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