Dia internacional da
Alfabetização
A alfabetização não é apenas o
processo de aprendizagem de ler e escrever; está diretamente relacionada ao
desenvolvimento de um país. Para fomentar esse conceito ao redor do mundo, a
Organização das Nações Unidas (ONU), em parceria com a Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), criou o Dia Mundial da
Alfabetização, comemorado, desde 1967, em 8 de setembro.
Cientes disso, vários países têm
assumido, nas últimas décadas, o compromisso de combater o analfabetismo.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad),
realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 12,8
milhões de brasileiros acima dos 15 anos – 8% da população nessa faixa etária –
não são alfabetizados.
Sem acesso à educação, não há
desenvolvimento, não há pleno exercício da cidadania. Para buscar apoio de
governos e organizações sociais, a ONU estabeleceu seus 17 Objetivos de
Desenvolvimento Sustentável (ODS), metas em diferentes áreas a serem alcançadas
até 2030. Educação de qualidade é o ODS de número 4 e tem como objetivo
assegurar o direito à educação de forma inclusiva, para todos os gêneros e
todas as idades, promovendo um ambiente escolar saudável e que vá além do
letramento, tratando o ensino como método de formação cidadã.
Se pensarmos tecnicamente, ser
alfabetizado significa a aquisição da proficiência da habilidade de ler e
escrever, fundamentais para o desenvolvimento intelectual do estudante. Mas,
talvez a definição mais adequada para alfabetização seja a do educador
brasileiro Paulo Freire:
“A
alfabetização é mais, muito mais, que ler e escrever. É a habilidade de ler o
mundo, é a habilidade de continuar aprendendo e é a chave da porta do
conhecimento”.
Quem foi Paulo Freire
Paulo Freire (1921-1997) foi o
mais célebre educador brasileiro, com atuação e reconhecimento internacionais.
Conhecido principalmente pelo método de alfabetização de adultos que leva seu
nome, ele desenvolveu um pensamento pedagógico assumidamente político. Para
Freire, o objetivo maior da educação é conscientizar o aluno. Isso significa,
em relação às parcelas desfavorecidas da sociedade, levá-las a entender sua
situação de oprimidas e agir em favor da própria libertação. O principal livro
de Freire se intitula justamente Pedagogia do Oprimido e os conceitos nele
contidos baseiam boa parte do conjunto de sua obra.
Ao propor uma prática de sala de
aula que pudesse desenvolver a criticidade dos alunos, Freire condenava o
ensino oferecido pela ampla maioria das escolas, que ele qualificou de educação
bancária. Nela, segundo Freire, o professor age como quem deposita conhecimento
num aluno apenas receptivo, dócil. Em outras palavras, o saber é visto como uma
doação dos que se julgam seus detentores. Trata-se, para Freire, de uma escola
alienante, mas não menos ideologizada do que a que ele propunha para despertar
a consciência dos oprimidos. "Sua tônica fundamentalmente reside em matar
nos educandos a curiosidade, o espírito investigador, a criatividade",
escreveu o educador. Ele dizia que, enquanto a escola conservadora procura
acomodar os alunos ao mundo existente, a educação que defendia tinha a intenção
de inquietá-los.
Freire criticava a ideia de que
ensinar é transmitir saber porque para ele a missão do professor era
possibilitar a criação ou a produção de conhecimentos. Mas ele não comungava da
concepção de que o aluno precisa apenas de que lhe sejam facilitadas as
condições para o auto aprendizado. Freire previa para o professor um papel
diretivo e informativo - portanto, ele não pode renunciar a exercer autoridade.
Segundo o pensador pernambucano, o profissional de educação deve levar os
alunos a conhecer conteúdos, mas não como verdade absoluta. Freire dizia que
ninguém ensina nada a ninguém, mas as pessoas também não aprendem sozinhas.
"Os homens se educam entre si mediados pelo mundo", escreveu. Isso
implica um princípio fundamental para Freire: o de que o aluno, alfabetizado ou
não, chega à escola levando uma cultura que não é melhor nem pior do que a do
professor. Em sala de aula, os dois lados aprenderão juntos, um com o outro - e
para isso é necessário que as relações sejam afetivas e democráticas,
garantindo a todos a possibilidade de se expressar. "Uma das grandes
inovações da pedagogia Freireana é considerar que o sujeito da criação cultural
não é individual, mas coletivo", diz José Eustáquio Romão, diretor do
Instituto Paulo Freire, em São Paulo.
A valorização da cultura do aluno
é a chave para o processo de conscientização preconizado por Paulo Freire e
está no âmago de seu método de alfabetização, formulado inicialmente para o
ensino de adultos. Basicamente, o método propõe a identificação e catalogação
das palavras-chave do vocabulário dos alunos - as chamadas palavras geradoras.
Elas devem sugerir situações de vida comuns e significativas para os
integrantes da comunidade em que se atua, como por exemplo "tijolo"
para os operários da construção civil.
Diante dos alunos, o professor
mostrará lado a lado a palavra e a representação visual do objeto que ela
designa. Os mecanismos de linguagem serão estudados depois do desdobramento em
sílabas das palavras geradoras. O conjunto das palavras geradoras deve conter
as diferentes possibilidades silábicas e permitir o estudo de todas as
situações que possam ocorrer durante a leitura e a escrita. "Isso faz com
que a pessoa incorpore as estruturas linguísticas do idioma materno", diz
Romão. Embora a técnica de silabação seja hoje vista como ultrapassada, o uso
de palavras geradoras continua sendo adotado com sucesso em programas de
alfabetização em diversos países do mundo.
A Alfabetização no Brasil
A alfabetização é a base da
educação, que, por sua vez, é um direito humano fundamentado pela Declaração
Universal dos Direitos Humanos (DUDH). No entanto, o acesso ao ensino básico de
qualidade ainda é uma realidade distante para muitas pessoas, que encontram
dificuldades para se alfabetizar ou continuar os estudos pelas desigualdades
sociais, por preconceitos diversos, por disparidades de gênero e tabus
culturais.
O Brasil tem a alfabetização como
um dos propósitos do Plano Nacional de Educação (PNE). O Plano é composto
por 20 metas que abrangem todos os níveis, modalidades e etapas educacionais.
Entre elas, o objetivo do PNE é que o analfabetismo da população brasileira
seja erradicado completamente até 2024.
O monitoramento dessa meta do
Plano Nacional de Educação (PNE) acontece por meio da Avaliação Nacional de
Alfabetização (ANA). A proposta dessa avaliação é aferir o nível de alfabetização
e letramento em Língua Portuguesa e alfabetização em Matemática das crianças
regularmente matriculadas no 3º ano do Ensino Fundamental.
Mesmo instituída a Política
Nacional de Alfabetização, a implementação da Base Nacional Comum Curricular
(BNCC) continua em vigor, para nortear a elaboração dos currículos e propostas
pedagógicas dessa etapa de ensino. O objetivo da BNCC é promover a Educação
Básica de forma igualitária em todo o país, considerando que as desigualdades
regionais interferem no acesso à educação.
A BNCC estabelece as
aprendizagens essenciais que devem nortear as práticas didático-pedagógicas de
todas as intuições de ensino do Brasil. Diferentemente do Plano Nacional de
Educação (PNE), para a Base o tempo para a realização da alfabetização é um
pouco mais curto. A BNCC considera esse processo como etapa primária do Ensino
Fundamental – Anos Iniciais, principalmente em seus dois primeiros anos. Além
disso, grande parte das normativas brasileiras explicitam a predileção pelo
método fônico como prática pedagógica ideal para o processo de alfabetização.
Política de alfabetização do atual governo
Em 2019, o Ministério da Educação lançou o caderno com
orientações sobre a nova política de alfabetização do atual governo. A Política
Nacional de Alfabetização (PNA). A PNA almeja que o ensino infantil reforce as
atividades de pré-alfabetização para que o ensino da leitura já seja concluído
no primeiro ano do ensino fundamental. Ela também prevê que a meta 5 do Plano
Nacional de Educação (PNE) seja cumprida. Assim, todas as crianças devem ser
alfabetizadas até no máximo o final do 3º ano do fundamental, aos 8 anos de
idade.
Além disso, o documento defende e prioriza o método de
ensino fônico, que tem o foco na relação entre letras e sons. Esse foi um dos
pontos mais criticados por educadores. A criação de uma política nacional de
alfabetização é positiva, mas a priorização de um único método pode levar à
padronização do ensino, e o risco disso é limitar tanto as possibilidades de os
professores ensinarem, quanto as possibilidades de os alunos aprenderem.
A meta de alfabetização
O país já reduziu, sim, a
analfabetização, mas de forma lenta e atrasada. O Brasil está próximo de
cumprir uma meta de alfabetização estabelecida pelo PNE (Plano Nacional de
Educação) de baixar o índice para 6,5%. Em 2019, a taxa de brasileiros com 15
anos ou mais que não sabia ler ou escrever um bilhete simples ficou em 6,6%,
segundo dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) Contínua
Educação 2019. Esse percentual, entretanto, deveria ter sido cumprido há quatro
anos, em 2015. O próximo – e mais difícil – desafio é a erradicação do
analfabetismo, prevista para acontecer até 2024.
Alfabetizar é preciso!
Não alfabetizar é dificultar o
acesso à saúde, à informação, ao mercado de trabalho, às condições mais dignas
de vida. Não promover a educação básica é transformar o ser humano em apenas
mais um número em milhões, tirando do indivíduo a chance de expressar sua
opinião, de exercer sua cidadania plenamente, além de torná-la vulnerável à
manipulação. Que a sociedade consiga seguir em frente no que prevê o artigo 26
da Declaração Universal dos Direitos Humanos e, enfim, afirmar: “Todos os seres humanos têm direito à educação”.
Movimento Conservacionista Teresopolitano
Texto e Imagem: Loren Martins
Referências:
FREIRE, P. Ação
cultural para a liberdade e outros escritos. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976.
STRECK, D. R.;
REDIN, E.; ZITKOSKI, J. J. (orgs.). Paulo Freire: dicionário. Belo Horizonte:
Autêntica, 2008.
www.IBGE. gov.br
http://portal.mec.gov.br